Ontem, domingo, tive um final de tarde, que durou até de madrugada, simplesmente delicioso. Primeiro, os petiscos, caracóis, caranguejos, perceves, queijinhos... Só coisas boas! Como o meu Mr. Big gostaria de ter lá estado... Depois, como se ainda restasse fome, foi a vez do jantar propriamente dito: uma bela de uma churrascada, porque naquela casa, ou se come... ou se come!
Mas comidas à parte, o melhor foi mesmo a conversa, que poderia durar até ao dia romper. Eu adoro ouvir histórias, típico de quem tem o jornalismo a correr-lhe nas veias, e por isso, estava encantada com a descrição de outros tempos e lugares, alguns deles já nem existem.
Um desses casos é o Bairro do Camboja, que eu conhecia até então como Bairro do Relógio. Situava-se nas imediações do Aeroporto e da Rotunda do Relógio, daí o nome.
Este bairro surgiu na época de construção dos acessos à Ponte sobre o Tejo, quando foi necessário realojar, provisoriamente, cerca de 750 famílias provenientes do Vale de Alcântara. Foram então enviadas para um terreno na zona de Chelas, onde tinham sido edificadas casas pré-fabricadas para o efeito. Previa-se que as obras da Ponte durassem entre 10 a 12 anos.
No entanto, o bairro, que foi inaugurado em Agosto de 1966, só foi desmantelado no final da década de 90, dando lugar ao Campo de Golfe da Belavista.
O Bairro do Relógio rapidamente se deteriorou, devido, sobretudo, à fraca qualidade dos materiais de construção e à falta de ordenamento do território. Também cresceu, com a proliferação de anexos clandestinos, que iam desde habitações, a pequenos espaços comerciais, garagens e armazéns. Por outro lado, faltavam áreas verdes, a menos que para isso contemos com as hortas dos moradores.
Passou a ser considerado um dos bairros mais degradados de Lisboa, com índices de marginalidade elevados associados à toxicodependência e tráfico de droga, e daí ter ganho o nome de “Bairro do Camboja”.
Foi aí que cresceram 3 irmãos, filhos de pais trabalhadores e respeitados, uma espécie de elite, se é que é possível sequer fazer semelhante comparação.
Mas isso não os impermeabilizou do que se passava à volta. Crescer num meio destes é conquistar um diploma em desenrascanço, às vezes pelos piores motivos. Já todos fomos adolescentes, sabemos como a delinquência e a marginalidade são tentadoras nessa fase...
Todas as histórias partilhadas à volta daquela mesa revelam a dureza não tanto de outros tempos mas de uma realidade completamente diferente da minha. Talvez seja por isso que fico quase hipnotizada a ouvi-las.
A verdade é que sempre tive um fascínio pelos bairros clandestinos e problemáticos. O ano passado tive a a oportunidade de produzir um pequeno documentário sobre os bairros de génese clandestina (e não necessariamente problemáticos, já que são conceitos diferentes) e foi muito enriquecedor falar com aquelas pessoas, conhecer as suas histórias de vida, na maioria gente do campo que tinha vindo para a cidade grande em busca de trabalho, muitos deles enganados e roubados por proprietários de terras pouco escrupulosos. Ainda que na cidade, mantinham os hábitos do interior, daí a quantidade de hortas desordenadas que proliferaram pelos arredores de Lisboa e que, em muitos casos, subsistem.
Quanto aos bairros não só clandestinos, mas também problemáticos, é um tema que eu gostava muito de vir a aprofundar, também aí há histórias e realidades que merecem ser contadas e deviam ser ouvidas. Quem sabe, um dia...
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